
No dia 9 de setembro, a Fundação Abrinq promoveu, em São Paulo, o 25º Encontro Anual da Rede Nossas Crianças (RNC), reunindo organizações da sociedade civil (OSCs) que fazem ou já fizeram parte do Programa Nossas Crianças. O encontro, sediado na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM), contou com uma programação que mesclou palestras e workshops, com o objetivo de fomentar debates, compartilhar experiências e oferecer conteúdos práticos voltados ao fortalecimento das organizações no atendimento a crianças, adolescentes, famílias e comunidades.
O tema central desta edição foi Uma parceria de múltiplos atores para a proteção das crianças e adolescentes, que orientou tanto as discussões em plenária quanto as atividades simultâneas realizadas ao longo do dia.
E antes do início, os participantes já estavam empolgados. “É a primeira vez que estou aqui e estou achando incrível. É uma grande oportunidade de conhecer outras instituições e aprender com elas. Estou com uma expectativa bem legal com esse evento para ampliar as experiências e depois aplicar na nossa prática”, relatou Alisson Cozzer, do Centro Associativo de Atividades Psicofisicas Patrick.
Abertura oficial
A abertura foi realizada por Synésio Batista da Costa, presidente da Fundação Abrinq, que destacou o percurso da instituição desde sua criação até os dias atuais. Em sua fala, relembrou os problemas da infância no Brasil há 35 anos, quando a Fundação foi fundada, e fez uma comparação com a realidade vivida hoje. A abertura também contou com a participação de Fernando Dourado, da Fundação Rainer Blickle, parceira financiadora do Programa Nossas Crianças.
Palestra de Raimundo Inaldo
O primeiro palestrante da manhã foi Raimundo Inaldo, educador social na Associação de Assistência à Criança – SOAF e na União Popular pela Vida – UPPV, ambas situadas na região do Sertão do Cariri, no Ceará. Ele conduziu a palestra com o tema Aprendizagem, afetividade e pertencimento: o educador social e o poder de transformação nos territórios vulneráveis.
Inaldo iniciou sua fala trazendo um resgate histórico da atuação das organizações em que atua, mostrando como era o cenário quando começaram a trabalhar e como está atualmente. Ele comentou que, no passado, o assistencialismo era muito mais forte e, com o tempo, a prática foi se transformando em metodologias voltadas à garantia de direitos e à promoção da cidadania.
O palestrante compartilhou também uma reflexão pessoal, afirmando que o trabalho que realiza hoje é uma missão de vida, motivada pelo compromisso com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Destacou que sem os educadores sociais não há transformação, pontuando o papel fundamental desses profissionais na construção de rotinas marcadas por vínculos, afeto e amizade.
No encerramento de sua apresentação, Inaldo convidou um representante por região do Brasil para subir ao palco e, em seguida, fez a entrega simbólica de uma medalha de reconhecimento pelo trabalho realizado por cada uma delas.
“Eu tive minha vida transformada a partir das ações de educadores sociais que foram importantes. E eu sei que isso é importante para as crianças. Hoje estou aqui para contribuir com uma vivência prática. Estou devolvendo algo para a Fundação Abrinq, que foi e ainda é muito importante como uma instituição que motiva a trabalhar com a proteção infantil todos os dias”, relatou o palestrante.
Palestra de Arthur Sinnhofer
O segundo momento da manhã foi a palestra de Arthur Sinnhofer, sociólogo e cientista político, intitulada Tendências e oportunidades no Terceiro Setor: o que as OSCs podem projetar para o futuro.
Arthur começou sua fala refletindo sobre o papel das organizações hoje, destacando sua relevância na construção de respostas rápidas e inovadoras para os desafios sociais. Logo no início, trouxe uma frase que marcou sua apresentação: “O desafio não é mais apenas fazer o bem, mas permanecer relevante em um mundo em transformação”.
Em seguida, apresentou dados sobre os principais problemas enfrentados pelas OSCs. Também ressaltou a importância do fortalecimento institucional como caminho para aumentar a resiliência das organizações diante do cenário apresentado.
O palestrante destacou ainda as mudanças nos modelos de financiamento no país, apontando para a necessidade de promover parcerias estratégicas com diferentes setores e de adotar formas de captação inovadoras. Entre as tendências apontadas, estiveram a digitalização de processos e atendimentos, que podem aumentar o alcance e a eficiência dos serviços prestados, e a captação baseada em confiança e propósito, que valoriza a transparência e o engajamento com apoiadores de longo prazo.
Logo após a palestra de Arthur, os participantes fizeram uma pausa para o almoço.
“Essa parte da manhã foi maravilhosa, trouxe muitas ferramentas para trabalharmos na instituição. As informações que trouxeram para nós não têm preço. São experiências novas, que vieram até mesmo de outro lado do país. E que do nosso lado vão agregar bastante. Foi muito enriquecedor. Parabéns a todos que fizeram isso ser possível”, conta José Arcanjo, da Obra Social São Francisco Xavier.
Já segundo David, psicólogo social da Liga Solidária, “a parte da manhã me levou a entender o impacto que o educador social faz nas vidas das crianças e das famílias. E o tanto que a gente tem para aprimorar o nosso trabalho, tanto nas possibilidades do que podemos fazer ou criar, quanto nesse contato com as crianças e os adolescentes”.

Workshops da tarde
No período da tarde, a programação foi dedicada aos workshops simultâneos, que ofereceram aos participantes a oportunidade de aprofundar conhecimentos em diferentes áreas temáticas, sempre com foco em práticas aplicáveis ao cotidiano das OSCs.
Mural do Clima
O workshop intitulado Mural do Clima: um jeito prático de aprender sobre o meio ambiente e seu ecossistema, destacou como crianças e adolescentes são diretamente impactados pela crise climática. Durante a atividade, os participantes debateram como as mudanças no clima e no meio ambiente afetam o desenvolvimento infantil e refletiram sobre estratégias para conscientizar comunidades. A proposta incluiu um exercício prático, no qual os participantes montaram um mural e compreenderam como as ações humanas afetam o clima e, consequentemente, as vidas de todos.
Alfabetização: mitos, verdades e práticas sociais da leitura
A oficina destacou que a alfabetização é um direito e deve ser entendida como uma forma de emancipação social. Foram discutidos os mitos e verdades sobre o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, a importância das práticas sociais da leitura desde a infância e as hipóteses de escrita das crianças. A equipe da Fundação Abrinq trouxe reflexões de autoras como Emília Ferreiro e Delia Lerner e reforçou que não faz sentido ler e escrever apenas para decodificar palavras, mas sim para compreender o mundo e exercer cidadania.

Criança Segura: prevenção de acidentes e promoção de ambientes protetores
O workshop apresentou dados preocupantes: os acidentes são a principal causa de morte entre crianças de 1 a 14 anos no Brasil, embora 90% deles possam ser prevenidos. O grupo trabalhou com exemplos de prevenção de acidentes em diferentes contextos, incluindo quedas, traumas, febre, entre outros, discutindo estratégias de adaptação dos espaços das OSCs para torná-los mais seguros. Também foi lembrada a Lei Lucas (13.722/2018), que obriga a capacitação em primeiros socorros em escolas.
“Eu estou encantada. Com toda a atenção, com o workshop agora que abordou os socorros que nós fazemos todos os anos em nossa unidade. Mesmo assim é sempre uma curiosidade. O conhecimento nunca é em vão”, compartilhou Ana Rita, do Instituto Consuelo Pinheiro.
Inclusão e acessibilidade na prática socioeducativa
A oficina promoveu reflexões sobre os conceitos de inclusão e acessibilidade, além da importância do anticapacitismo como postura ética no trabalho socioeducativo. O percurso histórico das fases de exclusão, segregação, integração e inclusão foi revisitado, até chegar ao atual modelo social da deficiência, que responsabiliza a sociedade pelas barreiras impostas às pessoas com deficiência. Foram apresentados marcos legais como a Lei Brasileira de Inclusão (2015) e discutidas estratégias práticas de acessibilidade, construção de redes de apoio e elaboração de planos de desenvolvimento individual.
“Nós escolhemos o workshop da educação inclusiva pois é uma demanda que vem crescendo e é extremamente significativa para nós. Eu saio da oficina com muito conhecimento e muita gratidão. É sempre um prazer estar todo ano aqui com vocês e esperamos estar aqui de novo no próximo ano”, afirma Thainá, da Casa Santa Maria.
Brincando de Casinha: um olhar sobre as relações familiares
A oficina apresentou a experiência desenvolvida pela ACM São Paulo, que utiliza o brincar de casinha como recurso para observar relações familiares e sociais das crianças. A metodologia propõe o faz de conta como ferramenta para identificar sentimentos, conflitos e potências. Além do espaço lúdico, a proposta inclui instrumentos de coleta de dados, monitoramento sistemático e experimentos para refletir sobre questões de identidade, gênero, raça e convivência social. Os participantes puderam debater e pensar em como poderiam adaptar o conhecimento adquirido para suas realidades.
“Em 2023 eu estava sentada, ouvindo, aprendendo e trocando como estão todas as pessoas aqui. Foi a primeira vez que fiz um workshop para o público do projeto. Eu não estava tensa, pois é um conteúdo que eu amo, mas é importante trocar com todas as pessoas que estão aqui e se encontraram na fala, enquanto instituição e como profissional da instituição. Para mim, foi um aprendizado e o melhor momento da minha vida pós-instituição. Pude passar aquilo que pesquisei, idealizei, aprofundei e que amo tanto”, conta a palestrante Nelci Abilel.
Comunicação e Captação: como fortalecer causas e atrair apoiadores
A oficina destacou a importância de estratégias de comunicação para dar visibilidade às OSCs, atrair apoiadores e ampliar a captação de recursos. Foram apresentados dados sobre a relação entre identidade visual consistente e aumento do engajamento de doadores. A equipe da Fundação Abrinq também compartilhou ferramentas digitais que podem ser usadas pelas organizações, além de estratégias de presença digital, storytelling e mobilização territorial. Por fim, também foi abordada a importância de se relacionar com empresas locais e voluntários, mostrando o apoio como oportunidade de transformação conjunta.