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3º Encontro Nacional do Projeto Coletivos Periféricos celebra criatividade e transformação nas periferias

29/10/2025
Foto geral do evento

No dia 25 de outubro, o Centro Cultural Grajaú recebeu o 3º Encontro Nacional do Projeto Coletivos Periféricos, promovido pela Fundação Abrinq por meio do Projeto Coletivos Periféricos. O evento reuniu representantes de coletivos de diferentes regiões do Brasil em um encontro que se destacou pela troca de experiências, celebração da infância e adolescência e valorização de trajetórias de transformação social. Ao longo do dia, convidados especiais e integrantes dos coletivos compartilharam reflexões sobre infância, ancestralidade, cultura e o papel do coletivo na construção de novas possibilidades.

A mesa Além do Futuro: reconhecendo a criança como ela é hoje, trouxe Tony Marlon, educador e comunicador popular, Mércia Magalhães, pedagoga, atriz e contadora de histórias, e Fabiano Maranhão, mestre em educação e relações étnico-raciais, para discutir como reconhecer as crianças em sua identidade presente, e não apenas em projeções futuras. Mércia Magalhães iniciou sua fala refletindo sobre a ancestralidade e a força que emerge da união de memórias e trajetórias, lembrando que o coletivo se constrói quando diferentes histórias se encontram. Ela destacou que ao trabalhar com crianças é essencial valorizar a história que cada uma carrega, afirmando que “na minha ancestralidade, que os meus se unam aos seus, porque a gente tá falando de coletivo, a gente tá falando de coletividade”. Em seguida, questionou a forma tradicional como a sociedade enxerga a infância, ressaltando que as crianças possuem identidade própria e capacidades únicas que precisam ser reconhecidas no presente, e não apenas projetadas para o futuro, mas esquecemos que elas já são, plenamente, quem são agora: “A gente sempre leva pra criança e pensa na criança o que a gente quer ser no futuro. E essa criança já é. Então, quem são estas crianças, esses seres que estão ali à nossa frente?”, refletiu.

Tony Marlon trouxe ao debate a perspectiva da comunicação popular como ferramenta de empoderamento e transformação social. Para ele, o diálogo, o rádio e as histórias compartilhadas criam espaços de imaginação e segurança para crianças e adolescentes, permitindo que se redescubram e se reencontrem consigo mesmas e com os outros: “Como é que a gente constrói um espaço de segurança e de reencantamento com elas mesmas, com quem está ao redor e com esse círculo?”. Ele destacou ainda que a imaginação não é apenas uma habilidade criativa, mas um direito fundamental que deve ser garantido a todas as crianças, permitindo que se vejam e se projetem de maneiras diversas e libertadoras: “Eu reivindico, a imaginação para mim é um direito que deveria vir como o primeiro de tudo em qualquer lei do mundo. É o direito a gente poder se imaginar de outras formas, de outras maneiras, em outros lugares”. Fabiano Maranhão trouxe a dimensão da corporeidade, da ancestralidade e do reconhecimento mútuo como elementos essenciais para a transformação social. Ele ensinou a saudação sul-africana Salbona/Ingoconi, explicando que o simples ato de ver o outro e ser visto tem um poder profundo de valorização e pertencimento: “Quando digo Salbona, para além do eu te vejo, a gente tá dizendo: 'Eu te reconheço, eu respeito e você é importante para mim'”.

Fabiano reforçou que a verdadeira transformação social e cultural acontece coletivamente e muitas vezes nos espaços informais, que carregam saberes populares e ancestrais frequentemente ignorados pelas estruturas formais: “Eu acredito que a transformação que a gente deseja, seja do campo da revolução ou seja do campo da celebração, é coletiva... assim como a festa se faz com todos, a transformação para uma sociedade que a gente deseja se faz coletivamente”.

Entre páginas e formas: quando a criatividade se materializa

A segunda parte do evento foi marcada pelo lançamento da publicação Projeto Coletivos Periféricos: Transformando a Infância e Adolescência nas Periferias, que encerra o Ciclo 3 do projeto e reúne produções feitas por crianças e adolescentes, entre desenhos, textos e relatos sobre suas vivências nos coletivos. A capa escolhida é uma arte do Coletivo Ninho das Águias, vencedor da seleção deste ano. O processo de criação do desenho premiado foi descrito por Acme, representante do coletivo, que explicou que cada desenho era resultado de trabalho conjunto: “Foram mais de três crianças que trabalharam no mesmo desenho, então isso chama muito a nossa atenção. Não foram entregues vários desenhos, mas esse especificamente tem vários nomezinhos e isso foi muito especial”. Acme destacou que o apoio da Fundação Abrinq possibilitou que o projeto, que já existe há 12 anos, tivesse condições de pagar professores e investir na atenção às crianças: “O projeto sempre foi mantido do bolso ou de voluntários que se sensibilizaram com a nossa causa. De dois anos para cá, a Fundação Abrinq vem apoiando, dando condições para pagar professores e ter mais atenção das pessoas com a causa”.

O processo criativo do coletivo envolveu música, storytelling e exploração da imaginação das crianças. Acme relatou que o desenho da capa foi inspirado em uma música criada junto com as crianças sobre um menino que vive na favela e descobre a astronomia por meio do projeto: “O processo de criação desses desenhos foi baseado em cima de uma música que a gente criou junto. Temos um clube de astronomia com uma professora que trouxe essa oportunidade para dentro da favela, um espaço totalmente fora da curva da caixa, onde as crianças podem ter contato com telescópios e aprender sobre o universo”.

Foto do evento

 

No encerramento do evento, cada coletivo participante do Ciclo 3 recebeu uma escultura personalizada, um gesto simbólico que marcou a trajetória compartilhada de cada grupo. As peças foram entregues ao Abadá Jabaquara, Chibé, Cia Caruru, Coletivo Autonomia ZN, Coletivo COE, Coletivo Encrespad@s, Coletivo Megê, Coletivo RPG & Cultura, Coletivo Uno Brasil, Comissão Solidária Vila da Barca, Favela e Ação, Futuro Brilhante, Macacos Vive, Ninho das Águias, Rodas de Leitura e Sarau em Movimento.

As esculturas foram criadas pela artista visual Zanna Toy, que traduziu em formas e cores a essência de cada coletivo. Ela contou que o processo foi ao mesmo tempo desafiador e transformador, especialmente quando foi convidada a inspirar as criações em seu personagem mais conhecido.

“A maior alegria foi quando disseram que queriam que fosse igual ao meu personagem Bantu, que é o meu carro-chefe. Eu fiquei muito orgulhosa do resultado”, relembrou.

Zanna destacou também como a participação nos coletivos a ajudou a desenvolver sua identidade artística e a se conectar com crianças e adultos em processos de aprendizado compartilhado: “Antes de fazer qualquer processo, seja de escultura ou desenho, exploramos a identidade de cada criança ou adulto para jogar naquela arte. Sempre estamos brincando com isso, com cores vibrantes, para que cada peça seja única e represente a identidade de quem participou”.

Jogos, movimentos e conexões: a prévia que inspirou o encontro

No dia 24 de outubro, véspera do encontro principal, os 16 coletivos participantes se reuniram para um esquenta na sede do Coletivo RPG & Cultura. O momento foi marcado por integração, trocas e descobertas. Ali, os coletivos puderam explorar um universo diferente, apresentado por adolescentes que, após aprenderem a cultura do RPG, hoje atuam como multiplicadores desse conhecimento, compartilhando habilidades e experiências dentro do coletivo.

Entre as atividades apresentadas estiveram os boardgames, jogos de tabuleiro que estimulam o raciocínio estratégico, o planejamento e a interação em grupo, e as vivências de RPG de mesa, nas quais os participantes criam personagens e embarcam em aventuras guiadas por um mestre. Maurício Borges, gestor de planejamento e um dos fundadores do coletivo, descreveu a experiência em receber outros coletivos como “super gratificante”, destacando a importância de apresentar um universo totalmente novo para os demais coletivos: “É muito bom ver como os outros coletivos se envolvem e se encantam com algo que eles nunca tinham experimentado antes”.

Outro destaque do esquenta foi o SwordPlay, prática que combina ludicidade e movimento. A atividade, que envolve coordenação motora, concentração, foco e imaginação, permitiu que os participantes se reconectassem com seu corpo e desenvolvessem habilidades físicas e cognitivas de forma divertida e colaborativa. Além disso, a segunda parte do encontro trouxe dinâmicas sensoriais que ajudaram todos a reconectar-se com suas crianças interiores, fortalecendo vínculos afetivos e ampliando a percepção sobre o próprio aprendizado.

Esquenta do Projeto Coletivos Periféricos no RPG & Cultura

 

Acme, do Coletivo Ninho das Águias, compartilhou como a arte e a música o acompanharam desde a infância e continuam a sustentar sua força interior: “Minha fuga foi para dentro das folhas, para dentro dos livros. Quando escuto uma música, ela me conecta com aquela criança que fui e reconecta minha força interior. Esse é o valor do projeto, transmitir conhecimento através da linguagem das crianças de forma eficiente”.

Rita de Cássia, do projeto Livro Livre Curió, de Fortaleza, reforçou como o apoio da Fundação Abrinq tornou possível vivenciar experiências antes inacessíveis e ampliar horizontes:

“A Fundação Abrinq me proporcionou conhecer outro estado e outros projetos, participar das atividades e ver diferentes dinâmicas. Esse apoio trouxe alívio para manter nossa biblioteca e nossos espaços, permitindo que continuemos a transformar vidas por meio da literatura e da arte”.

O 3º Encontro Nacional do Projeto Coletivos Periféricos reafirmou o papel transformador das iniciativas locais na vida de crianças e adolescentes, mostrando que criatividade, coletivo e reconhecimento da infância no presente são caminhos fundamentais para a transformação social.

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