No último sábado, 8 de novembro, o Colégio Maria Imaculada, em São Paulo - SP, recebeu um encontro marcado por emoção, conquistas e novas histórias. Ali, 55 adolescentes e 13 educadores dos nove Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs), Paulo Freire, Dr. Sócrates, Lar São Tiago, Xico Esvael, Jardim Macedônia, Nossa Vida Nossa Arte, Pedreira Mar Paulista, Jardim São Lucas e Arte na Rua, celebraram o encerramento dos Encontros Culturais de 2025 e a entrega de certificado para os novos “mediadores de leitura” do Projeto Mudando a História, uma iniciativa da Fundação Abrinq que acredita no poder da literatura como ferramenta de transformação social.
Ao longo do ano, cada um desses jovens descobriu que abrir um livro é também abrir horizontes. Que ler para o outro é um gesto de partilha. E que, por trás de cada página, há sempre um convite para mudar o próprio destino.
A leitura como caminho e descoberta
O evento começou com uma cerimônia simbólica da entrega dos certificados aos adolescentes que se tornaram “mediadores de leitura”. A sala de aula se encheu de aplausos, olhares orgulhosos e algumas lágrimas. Era o reconhecimento de um percurso, e o início de muitos outros.
De lá, o grupo seguiu para um roteiro cultural cuidadosamente planejado: a Livraria da Vila, no Shopping Paulista O que eles não sabiam é que uma surpresa os esperava, cada participante recebeu um voucher de R$60,00 para escolher o próprio livro. O anúncio provocou sorrisos, espanto e alegria imediata. Mãos curiosas percorreram prateleiras, páginas foram folheadas com entusiasmo e conversas espontâneas surgiram entre corredores repletos de histórias, a leitura desperta pertencimento e amplia mundos.
“O dia de hoje foi maravilhoso”, contou Marcos Vinícius, de 12 anos, do CCA Xico Esvael. “Escolhi um mangá do My Hero Academia, e no projeto eu aprendi muitas coisas que não sabia e fiquei mais calmo. Ler pras crianças me fez perceber que tem gente que não tem livro em casas, e que eu posso ajudar.”
A escolha livre do livro é parte essencial da metodologia do projeto, com esse gesto, aparentemente simples, que a autonomia e o senso de pertencimento florescem. “Eles se sentiram importantes, responsáveis. Pudemos ver o encantamento de cada um”, comentou Karina Peres Martins, educadora do CCA Nossa Vida Nossa Arte. “Todos disseram que o melhor dia foi o de hoje, porque puderam escolher o próprio livro. Esse empoderamento é transformador.”
Um percurso cultural pela Paulista
Em seguida, o grupo visitou dois espaços culturais da Avenida Paulista. Começando pela Casa das Rosas, onde puderam conhecer o espaço arborizado e repleto de poesia, e o Itaú Cultural, com a exposição Ocupação Ailton Krenak. O passeio foi uma atividade de encerramento, foi um percurso simbólico pela cidade, por suas vozes e possibilidades.
“Esses jovens, em sua maioria de regiões periféricas, raramente têm acesso a esse tipo de experiência”, relatou Márcia Moura, do CCA Jardim Macedônia. “Tivemos uma menina que andava de ônibus pela terceira vez na vida. Ver o brilho nos olhos dela é entender o verdadeiro propósito do projeto.”
Projeto Mudando a História
Criado pela Fundação Abrinq em 2001, o Projeto Mudando a História nasceu com o propósito de ampliar o direito à leitura e fortalecer vínculos entre gerações. Entre 2001 e 2012, passou por Manaus - AM, Paraty - RJ e São Paulo - SP, e foi retomado em 2022, na capital paulista, com o compromisso de formar adolescentes como mediadores de leitura. Desde então, o projeto tem alcançado dezenas de organizações da sociedade civil, promovendo o diálogo, a escuta e a empatia por meio dos livros.
“Percebemos que trabalhar a leitura é transformar pessoas”, explica Cássia Longo, líder do projeto na Fundação Abrinq. “Quando retomamos a iniciativa em 2022, sabíamos que o impacto seria grande. A leitura cria pontes, aproxima mundos e desperta a consciência cidadã.”
Ao longo das formações, os adolescentes participam de oficinas, realizam mediações de leitura para bebês e crianças nos CCAs e refletem sobre suas experiências com as equipes técnicas.
Muitos chegam tímidos, inseguros, e saem com voz firme e olhar confiante. Como Manuela Xavier, de 10 anos, do CCA Dr. Sócrates: “No começo eu tinha vergonha, mas depois acostumei. Hoje eu gosto de ler para as crianças. Quando ganhei o certificado, me senti uma leitora de verdade.”
O projeto não ensina apenas a ler. Ensina a se ver e a ver o outro. Para Sofia Maria, de 13 anos, do CCA Xico Esvael, ler é uma forma de viver outras vidas: “Parece que a gente está dentro do livro. É muito legal ver as crianças se interessando pela história que eu conto.”
Por quem e para quê: a leitura como um direito
A cada edição, o Projeto Mudando a História reafirma a convicção de que o acesso à leitura é um direito e um ato de cidadania. Ao formar mediadores, o projeto cria multiplicadores, adolescentes que, por meio das palavras, despertam em outras crianças o desejo de ler, imaginar e aprender.
“É emocionante ver o quanto eles crescem com a leitura. Muitos passam a frequentar bibliotecas, sugerem novas histórias e até inspiram os colegas”, observa Karina Peres. “O apoio da Fundação Abrinq tem sido essencial para que isso aconteça.”
Entre páginas abertas e novas possibilidades, cada jovem que participou do encerramento voltou para casa com um livro nas mãos e muitas histórias novas dentro de si. Histórias que começam na leitura, mas seguem no cotidiano, nos sonhos e nos caminhos que ainda estão por vir. Porque mudar a história é isso: abrir um livro, e descobrir que o mundo também pode ser reescrito.