Segurança e afeto são dois dos muitos fatores importantes para o desenvolvimento saudável de uma criança e de um adolescente. Quando eles têm alguns dos seus direitos ameaçados ou violados dentro da própria casa, é preciso que um terceiro entre em ação. Neste caso, o poder judiciário ou o Conselho Tutelar determina e aciona o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA). Este, por sua vez, atua junto às crianças, que ganham a chance de serem cuidadas, amparadas para que possam se desenvolver e tenham condições de voltar a sonhar.
Para que os acolhidos possam voltar, após algum tempo, a viver junto dos seus responsáveis, com todos os direitos e a proteção necessária, é preciso um trabalho cuidadoso desde o momento em que chegam ao SAICA, até quando estejam aptos a sair.
A importância do atendimento psicológico às crianças e adolescentes em acolhimento
Fundado em 2005, o Instituto Fazendo História, situado em São Paulo - SP, tem como missão colaborar com o desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de acolhimento, a fim de fortalecê-los para que transformem as suas histórias. O princípio é que cada um deles tenha o direito a se desenvolver plenamente, em família e na comunidade.
O Projeto Com Tato, desenvolvido há 16 anos pelo Instituto, oferece atendimento psicoterapêutico, nas modalidades individual e familiar, às crianças e aos adolescentes que estão e/ou estiveram em acolhimento institucional.
Os psicoterapeutas do Com Tato são voluntários selecionados pela equipe responsável. Eles contam com aprimoramento constante, por meio de supervisões clínicas com profissionais experientes e troca de conhecimento entre os terapeutas do programa.
No projeto, a parceria é firmada com o SAICA, mas o compromisso do terapeuta é com o paciente, o que significa que a psicoterapia pode prosseguir caso a criança ou o adolescente seja transferido de serviço, retorne para sua família ou seja adotado. O grande diferencial é que o paciente é atendido no consultório do profissional. A duração da psicoterapia não é preestabelecida, o terapeuta estará disponível pelo tempo que o paciente desejar e precisar.
A Fundação Abrinq conversou com a coordenadora do Projeto Com Tato, a psicóloga e psicanalista Ana Raquel Ribeiro, para conhecer um pouco mais sobre este importante trabalho desenvolvido e que foi um dos vencedores do Prêmio Criança 2020.
Qual a importância do atendimento psicológico às crianças e aos adolescentes em acolhimento?
O acolhimento é uma medida de proteção muito importante. Neste universo de crianças e adolescentes que necessitaram ser afastadas de suas famílias, que já é uma situação bastante difícil, o atendimento psicológico é essencial. Alguns meninos e meninas, mais que outros, apresentam algum sofrimento psíquico e demandam uma escuta, uma atenção particular.
Como é o processo, desde a identificação da necessidade de uma atenção especial às crianças, até o atendimento dos voluntários?
Todos os SAICAs possuem uma equipe de atendimento composta por psicólogo, assistente social e educadores. Eles convivem com o dia a dia das crianças e adolescentes e estão atentos aos comportamentos destes. Ficam atentos a mudança de humor, agressividade, alteração na rotina de alimentação, se a criança brincava muito e deixou de se divertir, se faz xixi na cama. Quem pode observar essas mudanças de comportamento é quem os conhece. A equipe identifica a necessidade de uma atenção especial e nos solicita o atendimento psicológico, que é realizado nas clínicas de nossa rede voluntária. É importante frisar que todas as crianças que estão nos serviços de acolhimento têm histórias difíceis. Mas algumas delas dispõem de recursos individuais para lidar com o que estão vivendo, enquanto outras necessitam de ajuda. O contexto de vida e individual precisam ser avaliados.
O atendimento é realizado nas clínicas dos profissionais?
Sim. Porém, com o início da pandemia, os atendimentos são feitos de forma online, mantendo a privacidade da criança e do adolescente atendidos. Antes da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todos os atendimentos eram realizados nos orfanatos (denominação do local em que as crianças e os adolescentes residiam quando em situação de acolhimento). Após 1990, houve uma mudança nesse formato, e os que necessitam de psicoterapia, realizam o atendimento nos consultórios.
Quantas crianças foram beneficiadas e quantos profissionais atuaram de forma voluntária, nos últimos anos?
Hoje, temos 69 psicoterapeutas voluntários. Em 2019 e 2020, foram beneficiados 133 e 106 crianças e adolescentes, respectivamente. Nos primeiros 5 meses deste ano, já estamos com 96 atendidos pelo programa. A faixa etária é de 3 a 17 anos e 11 meses, mas atendemos também os familiares adultos destes meninos e meninas em duas situações: quando a criança é muito pequena, então a consulta é realizada em conjunto com a mãe, e quando há um trabalho avançado para o retorno desta criança à família ou em processo de adoção.
O que representou a conquista do Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, em 2020?
O Prêmio Criança foi muito importante, pois reconheceu a relevância da saúde mental. Premiar iniciativas como a nossa é legitimar a importância da saúde mental no cuidado às crianças e aos adolescentes. O Projeto Com Tato é o único do Instituto Fazendo História que não recebe recursos através de editais. É difícil sustentar um trabalho como este. Realizamos um enorme esforço para mantermos a rede de voluntários, e estamos conseguindo. O campo da saúde mental não é legitimado de acordo com a importância que ele tem. O Prêmio deu visibilidade a um tema delicado e difícil. Em relação ao funcionamento do projeto, registramos um aumento significativo de atendimento nestes primeiros meses de 2021 e integramos novos terapeutas voluntários. Isso irá gerar um impacto no resultado final deste ano. O reconhecimento ao trabalho é muito importante. É preciso escutar a pessoa que está ali em sofrimento, que precisa se expressar e ser acolhida. Quando ajudamos aquela criança no que está sendo difícil para ela e cuidamos de seu desenvolvimento integral, investimos em um adulto melhor, em uma sociedade melhor, mais plena e mais possível.
Prêmio Criança – reconhecendo iniciativas inovadoras
Criado em 1989, o Prêmio Criança é uma das ações mais antigas da Fundação Abrinq. Foi idealizado para identificar e reconhecer iniciativas de empresas e organizações da sociedade civil voltadas a ações que contribuam para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. Realizada a cada dois anos, a premiação já reconheceu 86 iniciativas em diversas cidades do Brasil.
A cada edição o foco da premiação se volta para as ações que são mais necessárias diante do contexto que se apresenta. Em 2020, priorizou-se práticas que contribuíram para promover a saúde mental das crianças e dos adolescentes, desenvolvidas exclusivamente por Organizações da Sociedade Civil (OSC). Pela primeira vez o Prêmio Criança proporcionou, com o apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal (JLES), um reconhecimento financeiro para os projetos vencedores.
“Foi uma honra nos juntarmos em parceria com a Fundação Abrinq para o Prêmio Criança 2020, com foco na saúde mental das crianças e dos adolescentes. Esta população é pouco assistida nesta área, sendo uma das preocupações de nossa fundação, pois sabemos o impacto que a saúde mental afetada terá no indivíduo para o resto de sua vida. Com 139 projetos inscritos e sete finalistas, acreditamos que o prêmio tenha alcançado o seu objetivo, lançando luz ao problema e buscando soluções”, destaca o Dr. José Luiz Egydio Setúbal, presidente da Fundação JLES.
“Entendemos que a sociedade possui um papel fundamental na garantia de um ambiente saudável e defesa de uma rede de proteção que permitam que crianças e adolescentes sejam protegidos, e que boas práticas que tenham esse objetivo e atuação precisam ser cada vez mais reconhecidas e premiadas”, afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Fundação Abrinq.
Fique de olho no site e conheça mais sobre cada iniciativa vencedora. Saiba mais sobre o Prêmio Criança e o Projeto Com Tato. Clique aqui.