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Ansiedade na palma da mão: quando o tempo de tela rouba o tempo de ser adolescente

17/09/2025
Adolescente com celular

A adolescência sempre foi um território de descobertas, mudanças e vulnerabilidades. Mas, nos últimos anos, esse percurso tem sido atravessado por um elemento silencioso, onipresente e muitas vezes invisível: o uso excessivo das mídias digitais. Redes sociais, jogos, notificações constantes, mensagens, curtidas, embora pareçam inofensivos, funcionam como gatilhos para transtornos como a ansiedade, depressão e outras manifestações de sofrimento psíquico afetando o bem-estar de jovens em formação.

“Essa fase mais crítica costuma ser a pré-adolescência e adolescência inicial, entre 11 e 15 anos. É quando os jovens buscam pertencimento e validam sua autoimagem pelo olhar dos pares, tornando-se mais vulneráveis aos efeitos das redes sociais”, explica a psicóloga Talita Marques Molinari.

A busca por aprovação digital, a comparação constante e a exposição interminável contribuem para pensamentos de inadequação, baixa autoestima e sintomas ansiosos ou depressivos.

A dependência crescente das telas é uma questão urgente de saúde mental. É direito de adolescentes viverem um desenvolvimento de forma equilibrada, sem serem engolidos pela pressão do mundo virtual, sem que o tempo online consuma o tempo de ser, de se divertir, de conversar, de se descobrir.

Impactos visíveis do uso excessivo de telas

A transformação das interações sociais, antes presenciais, em conexões digitais mudou a maneira como os jovens aprendem e se divertem. No entanto, a hiperconectividade trouxe vulnerabilidades: distúrbios do sono, irritabilidade, queda no rendimento escolar e até isolamento social. 

Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria, alerta que sinais de dependência digital podem comprometer o rendimento escolar e o convívio familiar.

“Também observamos padrões preocupantes de isolamento social, além de dificuldades escolares. Os adolescentes apresentam sinais de dependência digital, com prejuízos importantes para o bem-estar emocional e social”, destaca Evelyn. 

Segundo Talita, o cenário se agravou com a pandemia e seus desdobramentos: “Nos últimos anos, especialmente após a pandemia, os casos de ansiedade entre adolescentes cresceram bastante, muitas vezes ligados ao excesso de comparação social e à hiperconectividade”.

Nesse contexto, a ansiedade nem sempre se apresenta de forma explícita: pode se esconder atrás de uma tela acessa, e se manifestar em dificuldade de concentração e até mesmo em evasão das aulas.

Nomofobia: o medo de desconectar

O termo nomofobia, derivado de “no mobile phone phobia”, descreve o medo irracional de ficar sem celular. Estudos apontam que mais de 60% dos jovens já sentiram angústia ao se desconectar por poucas horas. “O celular se tornou a principal ponte com o mundo: é onde conversam, estudam, se divertem e buscam aprovação. A ausência do dispositivo pode gerar sintomas físicos e ansiedade”, alerta Evelyn.

A dependência é potencializada por redes sociais que exibem vidas perfeitas: filtros impecáveis, rotinas editadas e padrões inalcançáveis aumentam a pressão sobre adolescentes, intensificando a hipervigilância e os riscos de cyberbullying

Para Isabelly Rivas, 15 anos, estar conectada faz parte da rotina, mas não substitui o prazer de outras experiências. “Gosto de ler livros e fazer atividades como vôlei e dança. Apesar de me incomodar, gosto quando minha mãe impõe limites para o uso das redes sociais”.

Construindo limites saudáveis

Especialistas recomendam que adolescentes tenham no máximo duas horas de uso recreativo diário de telas, equilibrando com esportes, leitura, convivência social e momentos em família. “Estabelecer limites envolve escuta, negociação e, principalmente, o exemplo dos adultos. Não adianta proibir o celular na mesa se os pais não largam os seus próprios aparelhos”, afirma Evelyn.

Fabiana Rivas, mãe de Isabelly Rivas, observa mudanças positivas com regras bem definidas: “Quando os celulares foram proibidos na escola, o horário do almoço se transformou em um momento de diversão, de colocar a conversa em dia, jogar vôlei e estar com os amigos. Procuro ensinar a importância de usar a tecnologia de forma consciente, dando exemplos práticos e conversando sobre os impactos do excesso de tela”.

Para Talita, a escola é uma aliada fundamental: “Pode promover educação digital, rodas de conversa, oficinas socioemocionais e incentivar momentos de desconexão, favorecendo o contato presencial e o desenvolvimento de habilidades emocionais”.

O cuidado com a saúde mental dos jovens exige atenção, empatia e ação coletiva. Pais, educadores e instituições precisam criar redes de proteção que equilibrem o digital e o real, garantindo que adolescentes tenham direito ao lazer, à convivência e ao tempo de ser. Em meio à urgência de notificações e mensagens, o gesto mais necessário talvez seja simplesmente perguntar: como você está? Porque, por trás de uma tela acesa, pode haver um pedido silencioso de ajuda.