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Violência sexual contra crianças e adolescentes no Pará: dados alarmantes revelam urgência de ação

16/05/2025
Foto de uma garota curvada e se escondendo

A violência sexual contra crianças e adolescentes ainda é uma realidade alarmante no Brasil, e os dados mais recentes sobre o estado do Pará reforçam essa preocupação. Um levantamento realizado pelo Coletivo Futuro Brilhante, de Belém – PA, mostra que, entre 2019 e 2023, foram registrados mais de 19 mil crimes sexuais contra pessoas de 0 a 17 anos no estado. 

De acordo com os dados compilados a partir de fontes oficiais, como o Sistema de Informação de Segurança Pública (SISP), os casos atingem principalmente meninas: 89% das vítimas identificadas são do sexo feminino. Além disso, 98% dos agressores são homens, e, na maioria dos casos, têm algum grau de parentesco ou vínculo com a vítima. 

As crianças de até 11 anos representaram 8.437 dos casos registrados, enquanto adolescentes entre 12 e 17 anos foram vítimas em 11.194 ocorrências. A residência da vítima continua sendo o principal local de ocorrência da violência, e os crimes acontecem com maior frequência de manhã. 

Os dados também apontam para a gravidade da situação nas áreas da chamada “Rota dos Grãos”, que inclui os municípios de Belém, Barcarena e Breves. Somente nessas localidades, foram mais de 3,4 mil registros de crimes sexuais contra crianças e adolescentes entre 2019 e 2023. Quando se olha apenas para Belém, a realidade também é crítica: entre 2009 e 2021, 43% dos mais de 31 mil registros de violência contra pessoas de 0 a 19 anos foram do tipo sexual. 

Infográfico com dados de violência sexual contra crianças e adolescentes no Pará


Diante desse cenário, o trabalho de iniciativas comunitárias e coletivos locais torna-se ainda mais relevante. Um exemplo é o próprio Coletivo Futuro Brilhante, que atua com prevenção, formação e conscientização sobre o tema na região metropolitana de Belém, e, entre 2023 e 2024, recebeu apoio da Fundação Abrinq por meio do Projeto Coletivos

Confira abaixo a entrevista completa com Diego Martins, coordenador geral do coletivo. 

Fundação Abrinq: O que motivou o Coletivo Futuro Brilhante a reunir esses dados? 

Diego Martins: O que nos motivou foi a urgência de dar visibilidade ao cenário alarmante da violência sexual contra crianças e adolescentes no Pará, especialmente em Belém. Apesar da gravidade do problema, percebemos que muitas informações estavam dispersas ou pouco acessíveis — tanto para a população quanto para os próprios profissionais da rede de proteção. Compilar esses dados foi uma forma de tornar esse conhecimento acessível e fundamentado, capaz de orientar políticas públicas baseadas em evidências. Mais do que números, queríamos mostrar que cada dado representa uma história de dor, uma vida afetada, e que é preciso agir com responsabilidade e urgência. 

Infográfico com dados de violência sexual contra crianças e adolescentes em Belém


FA: Quais aspectos desses dados vocês consideram mais alarmantes ou urgentes? 

DM: O que mais nos preocupa é a persistência de um padrão de vitimização que atinge, em sua maioria, meninas, com agressores que geralmente são pessoas próximas — muitas vezes dentro da própria casa. Além disso, a subnotificação é extremamente grave: os registros oficiais já são altos, mas sabemos que apenas cerca de 10% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades. Isso significa que a realidade pode ser ainda mais dolorosa do que os dados revelam. 

FA: Esses números refletem a realidade que vocês presenciam no dia a dia em Belém? 

DM: Infelizmente, sim. A violência sexual é uma realidade presente no nosso cotidiano. Nas formações que realizamos com escolas e instituições, é comum ouvirmos relatos recentes de casos. Há um sentimento constante de impotência diante da complexidade dessas situações. Muitas vezes, as vítimas são silenciadas dentro dos próprios lares. E o cenário é ainda mais difícil em áreas periféricas, onde o acesso à informação e aos serviços de proteção é limitado. 

FA: Como o apoio da Fundação Abrinq, por meio do Projeto Coletivos, contribuiu para fortalecer as ações de vocês? 

DM: O apoio da Fundação Abrinq foi essencial para consolidar o trabalho do coletivo. Através do Projeto Coletivos, conseguimos ampliar nossa equipe, fortalecer nossa presença digital e produzir materiais educativos com linguagem acessível. Também conseguimos realizar oficinas presenciais em escolas, capacitar profissionais da rede de proteção e estruturar melhor nossas ações. A mentoria e os recursos oferecidos nos ajudaram a planejar estrategicamente, alcançar mais pessoas e aprofundar a qualidade do nosso trabalho. 

Infográfico com dados de violência sexual contra crianças e adolescentes na Rota dos Grãos


FA: Quais os principais desafios enfrentados pelo coletivo ao abordar um tema tão sensível e urgente como a violência sexual? 

DM: Um dos maiores desafios é o tabu que ainda envolve o tema. Muitas pessoas evitam falar sobre violência sexual por medo, vergonha ou falta de informação, o que acaba dificultando tanto a prevenção quanto a denúncia. Também há resistência de algumas instituições, que ainda tratam o tema como algo que deve ser evitado. Além disso, esse trabalho impõe uma carga emocional muito forte sobre a equipe, que precisa lidar com histórias duras e, ao mesmo tempo, manter a energia para seguir atuando. Por isso, o cuidado com a saúde mental do grupo e a criação de redes de apoio têm sido fundamentais para a continuidade das ações. 

FA: Há alguma história ou situação que represente o impacto do trabalho de vocês e que possa ser compartilhada? 

DM: Há muitos momentos marcantes, mas alguns nos tocam de forma especial. Durante as ações de prevenção, enquanto as crianças brincavam com a luva da proteção, o semáforo do toque e a trilha da proteção, é possível ver seus rostos iluminados pela descoberta de informações importantes. O brilho nos olhos ao receberem os materiais escolares ao final da atividade mostra que estamos semeando algo transformador. São nessas pequenas expressões de alegria e aprendizado que vemos o impacto real do que fazemos — e isso nos dá forças para continuar.

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