A mortalidade infantil e na infância é um dos principais indicadores que subsidiam a qualidade da Saúde para gestantes, recém-nascidos e crianças menores de 5 anos. De acordo com o Cenário da Infância e Adolescência 2021, da Fundação Abrinq, a taxa de mortalidade infantil — menores de 1 ano — é de 12,4 para cada 1.000 nascidos vivos e a mortalidade na infância — menores de 5 anos — é de 14,4 para cada 1.000 nascidos vivos.
O indicador é preocupante, uma vez que 65,8% dos óbitos de crianças menores de 1 ano poderiam ser evitados, sendo 54,6% por melhorias na assistência à mulher durante a gravidez, parto ou recém-nascido, 6,4% por meio de ações de tratamento e diagnóstico adequados e 4,8% por ações de promoção à Saúde.
De acordo com a meta 3.2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Brasil precisa, até 2030, enfrentar as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, objetivando reduzir a taxa da mortalidade infantil para no máximo cinco por 1.000 nascidos vivos e a mortalidade na infância para no máximo oito por 1.000 nascidos vivos.
Tais índices mostram que o país está acima do estipulado pela Agenda 2030. Ao analisar os indicadores por região, o cenário fica ainda mais alarmante: as regiões Norte e Nordeste superam a taxa nacional, conforme mostram os gráficos abaixo.
Combater a mortalidade infantil e na infância é um dos principais objetivos da Fundação Abrinq, que promove iniciativas como o Programa Mortalidade Zero, cujo objetivo é diminuir o número de mortes por causas evitáveis em Sergipe.
Para isso, a instituição fortalece as políticas públicas locais e promove formações aos profissionais de Saúde, bem como estimula a criação de grupos de gestantes e a implantação de comitês de mortalidade infantil. Esta última ação é fundamental para entender o motivo dos óbitos que poderiam ser prevenidos e, assim, propor melhorias e soluções para os municípios e estados evitarem novos casos.
Para explicar o que é um comitê de mortalidade infantil e como ele pode ajudar o país a melhorar os indicadores relacionados à Saúde, a Fundação Abrinq conversou com a Cristine Bonfim, integrante do Comitê Estadual de Prevenção e Redução da Mortalidade Infantil e Fetal (CEMFI), pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco. Confira a entrevista completa:
O que é um comitê de mortalidade infantil?
Os comitês de mortalidade fetal e infantil consistem em uma estratégia para a melhoria da organização da saúde materna e infantil, com vistas à melhoria da qualidade dos cuidados durante a gravidez, parto, nascimento e acompanhamento durante o primeiro ano de vida, com o propósito de reduzir as mortes evitáveis, bem como contribuir com a melhoria da qualidade dos registros de estatísticas vitais — nascimentos e óbitos infantis.
Trata-se de organismos de natureza interinstitucional, multiprofissional, tem caráter técnico-científico, sigiloso, educativo e não coercitivo ou punitivo.
O CEMFI, por exemplo, é um órgão interinstitucional, multiprofissional, confidencial, consultivo e propositivo, com o objetivo de monitorar a ocorrência dos óbitos fetais e infantis, identificar as circunstâncias e os determinantes da mortalidade para propor medidas para a melhoria da qualidade da assistência à saúde visando a prevenção e redução da mortalidade.
O que ele faz na prática?
Todos os óbitos fetais e infantis são investigados nos serviços de saúde que prestaram assistência ao caso e pelos municípios no tocante a investigação domiciliar e ambulatorial para avaliar toda a linha de assistência desde a atenção primária até a secundária e terciária. No caso do CEMFI essa investigação é realizada pela vigilância do óbito. Todas as circunstâncias de ocorrência dos óbitos são analisadas na perspectiva da possibilidade de prevenção. A partir daí é possível propor medidas de prevenção e realizar correções nos dados dos sistemas de informações de estatísticas vitais, além da divulgação de informações.
O comitê se reúne mensalmente para discutir a situação da mortalidade fetal e infantil.
Por que o comitê é relevante para controlar os óbitos por causas evitáveis?
Diversos estudos realizados pelo país demonstraram que a maior parte, cerca de 80%, dos óbitos fetais e infantis são evitáveis. Então, ao investigar, identificar as causas, a cadeia de eventos que levaram ao óbito e as eventuais falhas na assistência, pode prevenir outras mortes por causas similares, promover a correção dos problemas que contribuíram para aquela ocorrência, sugerir mudanças de protocolos, além de atuar de forma educativa para sensibilizar os profissionais diretamente envolvidos na assistência.
Ele possui influência na saúde pública de qualidade?
Sim. Identificar falhas na assistência tem um papel importante para a melhoria da linha de cuidado materno infantil. No entanto, a sensação entre os que compõem o comitê é que os problemas de Saúde persistem e são sempre os mesmos. Isso ocasiona um certo sentimento de frustração entre os integrantes. Mas a persistência no objetivo de reduzir a mortalidade fetal e infantil e melhorar a assistência mantém o comitê resiliente.
Quais profissionais integram ou podem integrar o comitê?
Participam do comitê integrantes de instituições governamentais e da sociedade civil organizada.
Fazem parte [no caso do CEMFI] da composição integrantes de diversas áreas da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, como vigilância epidemiológica, saúde da criança, saúde da mulher, atenção primária, Mãe Coruja, entre outros. Além da Secretaria, tem-se os conselhos municipais de saúde e os de direitos da criança, Conselho Regional de Enfermagem (COREN), Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (CREMEPE), instituições de pesquisa, universidades, entre outros.
Considerando que o comitê é multiprofissional, vários profissionais podem participar desde que indicados por uma das instituições que o compõem. Atualmente, temos no comitê enfermeiras, médicas e sanitaristas.
Trata-se de um órgão obrigatório nos municípios e estados?
A Portaria nº 72 de 11 de janeiro de 2010 estabelece a obrigatoriedade da vigilância do óbito fetal e infantil nos serviços públicos e privados que integram o Sistema Único de Saúde. Essa mesma Portaria não estabelece a obrigatoriedade para a implementação de comitês.
Considerando a importância que ele tem para a prevenção do óbito fetal e infantil, monitoramento e contribuição para a qualidade da assistência, é fortemente recomendada a sua implantação nos municípios e estados.
No âmbito estadual é uma situação de mais fácil operacionalização. Já nos municípios, considerando as diferenças de porte populacional, econômicas e sociais, é mais complicado. Uma alternativa é que os municípios se juntem e formem comitês regionais.
Como as cidades podem implementar um comitê do zero?
Pela sensibilização dos profissionais de saúde, gestores, instituições públicas e entidades da sociedade civil, pois eles irão participar da composição do comitê. Essa sensibilização pode ser feita mediante seminários, oficinas e palestras e, nesses encontros, é importante destacar os objetivos e o caráter educativo, confidencial e não punitivo do órgão.
Outra estratégia importante é conhecer a experiência de outros comitês, os êxitos, a forma de funcionamento e a operacionalização, obviamente adequando às realidades locais.
Para a oficialização do comitê é necessária a publicação de Portaria/ Resolução instituindo o órgão e a elaboração do regimento interno com os objetivos, finalidades, competências, atribuições e funcionamento.
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